Por Zé dos Anjos.
Ainda punha a biqueira do desbotado sapato na soleira da porta e ainda ao nariz não me haviam chegado aqueles aromas a tinto e aguardente tão característicos da Tasca do Ti Manuel da Fonte e já ouço, vindo lá de dentro, o vozeirão roufenho do Chico Molas: Ó SSilba, fetche fassa fabor!
Lá ía também a D. Ricardina, de sorriso forçado, procurando cativar simpatias para eleição do próximo regedor da freguesia, em passo tipo robocock na direcção ao balcão, e também: Ó SSilba, fetche fassa fabor!!! E a máquina de calcular mental do Silva: 0,50 € mais 0,35 €, são 85 centimos D. Ricardina.
Isto começou já lá vão umas décadas.
Longe vão esses tempos em que lá na terrinha se colhia, em vastas searas, o trigo e o centeio. A cada início de Verão as aldeias do concelho eram invadidas por grupos de segadores, vindos de outras regiões, à procura de ganhar umas "jeiras", já que as condições de vida eram particularmente difíceis e as pessoas como menos recursos tinham de agarrar-se aos trabalhos mais árduos.
O Silva, jovem vivaço, letrado para a época, 4.º ano feito e a caminho de fazer o 5.º lá no liceu da vila (e não ía parar por alí), dizia-se também que não só gostava da escrita como também das contas. Rapaz de boas vontades, muitas cartas ele escreveu às velhotas da aldeia, para o filho na África ou para o irmão do Brasil, etc.! Era o orgulho do pai, Manuel da Fonte.
Um dia, andava lá na terra um rancho de segadores. Um deles, rapaz novo, cara vermelha e olho vivo, recomendado por uma vizinha vai ter com o Silva para este fazer-lhe o favor de escrever uma carta à namorada. Claro que o Silva apressou-se a dizer que sim! Ai não, ora, ora, carta à namorada!!! Ah, Ah!, o Silva, malandreco, esfrega a mãos, já aguçando a curiosidade quanto às confidencias, saudades e sabe-se lá que segredinhos mais o rapaz iria mandar dizer à namorada.
Folha de papel na frente, caneta de aparo apontada à primeira linha. Pode começar, diz ansioso o Silva:
Sim, continue, manda o Silva.
... ca ’stou, cá m’acho....
Já está, mais..., pede o Silva.
... enquanto por cá andar....
Sim...,
... sou sempre o mesmo”.
Já escrevi, continue... continue…, diz o Silva cada vez mais ansioso.
“Fetche fassa fabor” !
Como? Perguntou o Silva.
“Fetche fassa fabor”
Então, não escrevo mais nada, só isto...?
"Sim, Fetche fassa fabor”!
Depois de muitos anos na cidade onde teve meritória vida profissional e acabadinho de ganhar a reforma, cá temos de o Silva de volta às origens!. Para se entreter, vai tomando conta da Tasca que foi do falecido pai, agora transformada num moderno café, mas onde o tradicional tinto e a aguardente feita nos potes do Tonho do Freixo, não faltam nunca!. Não imaginais a cachola com que o Silva ficou quando um dia destes o Chico Molas apareceu com esta na Tasca!.
E a moda pegou! “Fetche fassa fabor” ! De tal jeito que, daí para cá, lá na Tasca, é normal os da casa, pedirem a conta berrando p’ró balcão: Ó Sssilva, feche fassa fabor!
Nota do autor:
Os factos e personagens deste texto são fictícias. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera coincidência.
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