terça-feira, 5 de julho de 2011

ÓRA PÔXA !

Por Zé dos Anjos.

Enquanto “batiam” uma sueca ali na mesa do canto, Chico Molas e companheiros iam-se divertindo com as suas velhas histórias.

A boa disposição era contagiante e estímulo para mais uma rodada de "americano" lá do garrafão que o Silva tinha bem escondido na despensa. Falavam do  Sr. Toninho, que já conheceis, comerciante cá da terra que, além da loja, armazéns e escritórios aqui na nossa rua, tinha outros negócios de comércio e serviços.

Todos os dias, pelas 09 horas da manhã lá vinha ele no seu Fiat 1100, cinzento, anos 50, acompanhado pela esposa que na empresa exercia funções de caixa (ou tesoureira, como agora se diz), enquanto que à entrada dos escritórios já os aguardava bem alinhadinha toda a equipa de robots, perdão, queria dizer, colaboradores.

Homem na casa dos 60, poupado ao extremo, de tal jeito que, o seu pessoal de escritório só tinha direito a nova esferográfica mediante a entrega da finada, ele próprio era o exemplo perfeito dessa disciplina, bem visível pelo bico da sua esferográfica que segurava-se só  graças à fita-cola que o enrolava. Usavam-se umas esferográficas transparentes, tipo Bic cristal, adquiridas em caixas de 100 unidades a um fornecedor de Coimbra, ao preço de 1$00 (um escudo) por unidade.

Naquele dia, quando o Sr. Toninho chegou ao escritório, pendurou o casaco, sentou-se na  secretária e... a esferográfica?! Não, não estava, correu tudo, gavetas, bolsos, as secretárias do pessoal, a da esposa... mas não estava em parte alguma.
-Toninho, olha que se calhar ficou no carro! –Lembra a esposa.
-Decerto, decerto, vou lá, vou lá, obrigado mi’Ani! – Agradece à esposa.

Dali a pouco, lá vem ele apressado, abatido, cara de chateado, pois a dita não estava no carro!

-Ó Toninho, não a terias deixado além na Estação de Serviço? – Diz a esposa.
A estação de serviço era outro seu estabelecimento onde, todas as manhãs, a caminho do escritório, parava para recolher as contas do dia anterior.
-Se calhar, se calhar, mi ‘Ani!
 
Instintivamente, salta para o telefone:
-Sra. telefonista ligue-me ao 201 - manda o Sr. Toninho! (os telefones não eram automáticos, a ligação ao numero desejado era solicitada à telefonista de serviço na estação de telefones).
-Tá, Sr. Gomes, olhe deixei aí a minha esferográfica?!
- ...??%-
-Sim? Ah, pois, então guarde-ma aí que na volta do almoço trago-a!
Pousa o telefone e, como que acordando, estrebucha, solta uma profunda exclamação de aborrecimento, quase se arrepelando, desalentado, com voz de arrependimento e revolta do tamanho do mundo, e desabafa para a esposa:

-Ora pôxa, ora pôxa mi’Ani que lá se foi mais do que custa a esferográfica!

Importa lembrar que uma chamada local custava, naquele tempo, 1$30 !!! 

Nota do autor:  
Os factos e personagens deste texto são fictícias. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera coincidência.

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