quinta-feira, 28 de abril de 2011

O SENHOR ADMINISTRADOR, QUEM BATE É MESMO, E SÓ, ELE

Por: Zé dos Anjos

De vez em quando o Sr. Álvaro Rixa vem fazer-nos uma visita. No seu passo miúdo, olhar para o chão antes de pousar cada pé e prevenindo o deficit de forças com o subsídio da bengala  bem segura na mão direita, assim vai, devagar,  palmilhando o caminho. Pessoa carismática e de convicções fortes, vida intensa, cargos de poder, mente bem recheada de recordações e emoções, das quais, com orgulho e evidente nostalgia, não perde a oportunidade de relembrar, evidenciando, ao mesmo tempo, o seu jeito de exímio contador estórias. Narrativa viva com retrato bem conseguido dos factos.

O Sr. Álvaro Rixa, conta-nos, foi “Administrador” numa antiga colónia ultramarina portuguesa, "ali tudo era longe - diz ele orgulhosamente - veja só que em vez de carro na garagem tinha avião no quintal!". Administrador (ou Administrador do Governo) era, se bem entendi das longas e interessantes conversas que às vezes temos, o “delegado do poder administrativo” e o “superintendente” para todas as questões públicas, administrativas e judiciais de uma região. Era, pode dizer-se, o Senhor do Poder, pois nele se centrava todo o poder executivo (administrativo público, tributos, etc), de ordem pública (segurança, polícia, etc) e o poder judicial (aplicação da lei e suas sanções coercitivas, julgar e aplicar penas, o que por cá chamamos de Juiz, mas com sentença sem julgamento!).

Da última vez que o tivemos por cá, notamos o seu ar cansado (os anos não perdoam) e voz pausada, contou-nos ele que, "Quando cheguei aquela terra andava todo o preto descontente, toda gente batia no preto. Chamei todos (referia-se a outros representantes de órgãos administrativos, tributários e de segurança) e disse-lhes: a partir de hoje ninguém mais bate em preto, só eu”, e acrscenta,  orgulhosamente que, a partir dali tudo correu bem.

Todos os dias, logo de manhã, a primeira coisa que fazia era "dar a pena" aos pretos que no dia anterior tinham sido apanhados a fazer asneira ou de tal acusados. Umas chibatadas ou umas palmatoadas, na quantidade proporcional ao crime, era o melhor, dizia, porque ”não precisava de os mandar para a cadeia, iam de novo para casa para ao pé das mulheres e filhos, contentes, e se ficassem na cadeia tínhamos ainda que os alimentar e, além disso, ficarem presos não lhes fazia “emenda” e causava o descontentamento de todo o outro preto”.

-Ó Sr. Alvaro Rixa e eles aceitavam por bem?  (perguntei)
-O sim, sim, todos me agradeciam “Obrigado, Sr. Administrador”. O que queriam era não ficarem presos e saber que ninguém mais iria, pelo que haviam feito, bater neles!
-E todos apanhavam de igual? (curiosidade minha)
-Bem, claro, eu... alguns deles “eram espeeertos”(!!!!)..”Sr. Administrador, eu sou do Benfica” diziam, e traziam até camisolas e coisas do Benfica vestidas, e nem imagina como as mesmas eram disputadas e difíceis de arranjar, vendiam uns aos outros muito caro, e quando não tinham dinheiro que chegasse conseguiam-nas emprestado, o que também não era fácil, e assim quando eu chegava: “Sr. Administrador está a ver, eu sou do Benfica”!

Convicções! Destas estórias  se fez a História. Cada um vê os seus actos, ou o seu efeito, como quer, ou conforme as suas motivações e convicções lhes ditam. Das "estórias" de ontem far-se-á a História hoje, e quanto melhor  conhecemos o passado melhor compreendemos o presente.

 Nota do autor:
Os factos e personagens deste texto são fictícias. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera coincidência.


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