sexta-feira, 18 de março de 2011

ÁH... ABEL, ABEL, SE EU FOSSE PAI !

 "AH... ABEL, ABEL... SE EU FOSSE PAI…! 
Por Zé dos Anjos.

Se um dia, ao passarem pela nossa aldeia, ouvirem este desabafo é porque aconteceu injustiça ou abuso merecedor de "reparo". Muitos que o ouvem - e até muitos que o dizem - não sabem o porquê daquela frase, que perdura nos tempos, usada como manifestação de agravo sentido ou de apontar e lamentar a ausência do merecido castigo para alguém.

Hoje, ao passar ali na rua, falava-se em “geração à rasca”, em Scut’s, no preço da gasolina, no aumento do IVA, na baixa dos salários,  em corte nas pensões, nos transportes, no pão, nos medicamentos, falava-se ainda no que penso ser uma Via-sacra qualquer (Pec1, Pec2, Pec3, Pec4…?!) e noutras coisas que não percebi ou não tive oportunidade de “apanhar”, mas tudo, de certeza, injustiças ou coisas feias, porque logo ouvi aquela frase: "ÁH... ABEL, ABEL... SE EU FOSSE PAI…!"  Isto fez-me recordar, com saudade, o Ti Abel e a origem daquela lendária expressão, sinónimo de revolta ou injustiça.

Eu conto-vos (se tiveram paciência para me "ouvir"):

O Ti Abel era um mouro de trabalho, homem alto e desenvolto,  falava depressa tal como também depressa trabalhava a terra e as suas lidas. Filhos? foram 10 filhos! 6 rapazes e 4 raparigas. Colocados em fila formavam uma “escadinha” perfeita, à sua volta não havia pausas. Até “levantava pó”! Os tempos eram difíceis. Criar aquele “time” sem faltar o pãozinho não era coisa fácil. Com muitos sacrifícios e trabalho de todos, a comidinha, no essencial, nunca faltou. Difícil e duro, também, era o dia-a-dia dos miúdos. Logo que, pelo fim da tarde, a escola, que era de sol a sol, lhes abria a porta (sim, até à 4.ª classe, ninguém podia faltar à escola) vinham a correr ajudar no trabalho da terra,  no trato dos animais ou nas tarefas domésticas.
 
As moças,  era vê-las, conforme a idade e o que a força de cada uma permitia, de cântaro à cabeça a “acarretar” água da fonte ou a/de caminho do rio para lavar a roupa. Os rapazes, sempre em passo apressado, quer no carro dos “machos” em comando acelerado da viatura, quer agarrados à rabiça da charrua a que mal lhes chegavam ou montados nos “machos”, em pelo, galopes desenfreados, tipo autênticos “índios americanos” em bom estilo farwest! Disciplina, rigor, trabalho... qual pelotão de cavalaria. E que ninguém se baldasse! Ti Abel era bom, mas duro na sua justiça, não perdoava.

Germano era um dos filhos, pela idade aí dos “do meio”, miúdo irrequieto, revoltava-se e indignava-se com injustiças. Gaguejava um pouco, o que lhe dava alguma graça. Pele escura, pés descalços (ai sapatos! Ou pão ou sapatos!), calças remendadas no rabo, esburacadas nos joelhos de “não parar quieto”, alça caída...

Naquele dia vimos o Germano sair de casa em passo apressado, não se sabe o que lhe aconteceu, mas decerto que foram ordens do ti Abel para alguma tarefa que entendeu “menos apropriada”.  Vinha zangado, barafustava alto e, ao mesmo tempo que andava, olhava lá para cima, para casa, e sem se poder conter, bradava repetidamente o seu lamento em tom de “ameaça”: "AH.. ABEL, ABEL... SE EU FOSSE PAI…!"

Aquela manifestação de falta de força e poder para inverter a situação foi ouvida pela vizinhança que a arrecadou nas suas memórias e ainda hoje, passadas muitas décadas, quando por cá se ouve, por cá consta ou por cá se testemunha alguma injustiça, ou ainda,  se reclama castigo para qualquer abuso ou ofensa, logo alguém sublinha tal agravo e manifesta a sua revolta ou reprovação, exclamando:  "AH... ABEL, ABEL... SE EU FOSSE PAI…!"!!!!



Ai, se eu pudesse mudar o mundo…! queria dizer-nos o Germano na sua ingenuidade e genuinidade!. 

Nota do autor:
Foi minha intenção com este post retratar um pouco da vida das nossas gentes há umas décadas e, ao mesmo tempo, trazer o desabafo do Germano ás provações que o nosso povo está sentindo no presente, traduzindo aquele "Ah... Abel, Abel... Se eu fosse pai…!"!!!! num “SE EU PUDESSE…!”.  Fica a minha homenagem ao meu tio Abel e o meu abraço agradecido aos primos por me autorizarem a publicar este post.

2 comentários:

Anónimo disse...

O comentário referente ao Germano, seria para aqui, como é fácil de ver.

Anónimo disse...

Tempos difíceis esses!!! Mas toda a gente diz:" belos tempos", mas não pela saudade da vida da altura, mas porque tinham menos uns anitos.